Gostar de
criança: Princípio fundamental para ser um educador da infância
É inegável que para ser um bom educador da infância
é necessário ter uma formação acadêmica consistente, mas gostar de criança é
condição "sine qua non", indispensável na realização de um trabalho
que deve ser eminentemente permeado pelo afeto. A ausência do afeto implica em não
desenvolver e não sentir o prazer do gostar e, principalmente, de estar com o
outro.
Analogicamente imagine dois profissionais: um
médico cirurgião tem as mais indispensáveis formações para realizar uma
cirurgia, mas não gosta e não tem a habilidade para trabalhar com os
instrumentos cirúrgicos. Um educador da infância que se forma para trabalhar
com crianças e não tem o prazer de estar com os pequenos. Quais seriam os
resultados?
Não basta ter uma boa formação para estar com um
grupo de crianças da Educação Infantil várias horas por dia, meses, anos; é
preciso que esteja implícito e explícito no educador o gosto pelo seu fazer,
assim como ter o prazer em se relacionar com crianças, qualidade fundamental de
um profissional que trabalha com a infância. O educador encantado pelo que faz,
encanta a criança com a sua ação, emoção e atitude.
Há alguns questionamentos que o profissional da
infância deve fazer a si mesmo: Que prazer eu sinto na convivência com
crianças? O que eu penso em relação ao trabalho do educador da infância? Quais
são as minhas crenças de que para este período da vida do ser humano é
fundamental que a criança tenha ao seu lado um profissional com conhecimento,
competências, habilidades e prazer em conviver, ser, viver e, sobretudo,
descobrir o mundo com a criança para que juntos possam realizar um trabalho
pautado nas necessidades de um desenvolvimento pleno, de uma construção
autônoma, alicerçada na cooperação e no aprendizado de uma convivência
harmoniosa.
Um profissional da infância que sente desconforto
ao ter que cantar com as crianças, ao realizar junto com os pequenos jogos de
imitação, ao sentar-se no chão para brincar, ao estar na caixa de areia
realizando jogos simbólicos, ao participar de jogos dramatizados, ao dançar
junto com o grupo nas atividades e dias comemorativos, ao limpar um nariz
escorrendo, ao trocar uma fralda, ao banhar uma criança terá que rever a sua
escolha profissional, porque desconfortos nos levam a ações mecanizadas, sem
cumplicidade, e quando esse jeito de ser está presente em nós, tudo fica mais
difícil no campo das relações, afasta o outro e não constrói laços e
identificação das crianças para com o profissional da educação.
A realidade para um educador que não sente prazer
realizando trabalhos com crianças pequenas no espaço da Educação Infantil é
estar em constante conflito com o seu lado profissional, não demonstrando
interesse em continuar aprendendo sobre crianças pequenas, além de não se
apresentar inteiro nos momentos de formação continuada, o que provavelmente culminará
em um educador da infância sem referências e que não privilegia a construção de
valores.
Todo ser humano, criança ou adulto, tem potenciais
invisíveis que se fazem visíveis quando se permite desabrochar. O desabrochar
está intimamente ligado ao prazer, ao encantamento na realização de ações de
construções e de aprendizagens, demonstrando que essa metamorfose constrói
mundos no interior do ser, nas relações e nos coletivos. Quando não há dentro
do educador um potencial que evidencie o prazer pleno de estar com crianças,
não haverá vida no ato de ensinar e de aprender, assim como, de construir
identidades humanas.
A criança é feita de potenciais invisíveis, prontos
para se desenvolverem por meio de oportunidades, para tanto, necessitam de
espaços para crescer, de pessoas que a acolham com competência, gosto e prazer,
que possibilitem que seja construída primeiramente como criança respeitada no
seu ciclo de vida.
O profissional da infância deve ter a consciência
de que é parte dos sucessos que a pessoa conquistará no mundo, e que seremos
consequência do que se inicia no ciclo da infância porque nesse ciclo estão os
primeiros passos de todos os ciclos da vida e o princípio de uma caminhada pela
vida física, cognitiva, relacional, emocional e espiritual.
Ao educar uma criança, um ser em desenvolvimento,
aprendendo com o mundo e com as pessoas, precisamos evitar autoritarismos,
distanciamentos, ignorâncias, desafetos, falhas, indiferenças porque tudo isso
não pode ser apagado, deletado como se fosse um erro banal de digitação.
O profissional da educação da infância é um leitor
de símbolos e significados infantis, deve ser afetivo, prazeroso, que
transparece de forma visível o sentimento do gostar de estar com as crianças,
um "jeito de ser criança", revelando posturas que certamente
favoreçam as relações dialógicas e de construções, facilitando o
desenvolvimento qualitativo e emocional. A criança emocionalmente bem resolvida
se sente fortalecida para o ato de aprender e para ser o sujeito de si mesma.
O mundo e as pessoas são resultados de causa e
efeito; a criança é sensível por natureza, sente quando o educador não é
natural, não é espontâneo, inteiro e feliz, suas reações exteriores revelam o
seu interior e deixam transparecer o "não sinto prazer no meu fazer".
O sentir prazer, ou não sentir, pelas relações, não pode ser escondido quando
se convive rotineiramente porque facilmente serão desmistificados, porque o
prazer é energia que se apresenta em forma de vibrações percebíveis e
prazerosas para os envolvidos.
As nossas posturas são anúncios formais do que
somos, apresentam de modo visível intenções e o curso das ações que vamos
adotar com os educandos. As ações que executamos produzem sentidos que fazem
parte do nosso jeito de ser, portanto somos responsáveis pelos resultados. Para
que o educador da infância obtenha conquistas com crianças pequenas é
necessário que a plenitude do gostar esteja presente em todas as ações.
O prazer vive em nosso mundo interior e a partir de
dentro nós é que criamos o nosso modo de ser exterior. Nosso exterior é um
espelho que produz informações, reflexos positivos e negativos, que afasta ou
aproxima as pessoas que serão observadas, imitadas ou não, que despertarão
confiança ou desconfiança, que conduzirão a sentimentos, sensibilidades e ações
e, como educadores, sabemos que "jeito de ser sem gosto pelo que
somos" será um ponto de reflexão e referência para as crianças.
A criança em convivência com o mundo e com as
pessoas constrói seus pensamentos a partir das informações visuais, auditivas e
cinestésicas que ficam "arquivadas" em seu interior, e lhe servirão
de base e princípios para as suas respostas às necessidades do seu mundo.
O ser humano sempre determina seu jeito de ser. A
emoção e o prazer em conviver com as crianças levam o profissional a ter
pensamentos significativos e criativos ao planejar um trabalho. O gosto pelo
fazer e pelas relações favorece a felicidade profissional, condição para o
sucesso e para conseguir o que se quer. Um educador feliz faz alegria, faz
vida, faz com que o seu fazer tenha sentido para o aprendiz, além de se sentir
pleno com a própria ação.
Percebemos, ao propor reflexões nos cursos de
formação que ministramos juntos às Secretarias Municipais de Educação, dois
tipos marcantes de comportamento: determinados profissionais se empolgam,
envolvem-se, produzem, debatem, apresentam ideias e, outros, permanecem
passivos, desinteressados, sem gosto em participar e aprender. O primeiro,
quando indagados sobre o seu fazer, revelam prazer, gosto pelo trabalho, vibram
com as aprendizagens das crianças, com seus eternos aprendizes. O segundo grupo
com um comportamento mais passivo revela uma postura de indiferença quando
levado a reflexões sobre crianças, quase sempre deixam claro que não se sentem
felizes com o seu trabalho.
Fica óbvio que o bom profissional que tem gosto
pelo seu fazer com as crianças é sempre diferenciado, tem vontade em aprender,
quer desaprender os superados modos de ser educador da infância, e sempre traz
consigo um prazer imenso por ser educador.
Acreditamos que para ser um verdadeiro Educador da
infância o gostar de criança deva ser um dos princípios fundamentais para a
construção da sua identidade profissional.
Por
Emilia Cipriano e Claudio Castro Sanches
Emilia Cipriano é Doutora em Educação, Mestre em
Psicologia da Educação e Pesquisadora da Infância.
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